
Alizane conta a jornada como mãe atípica e como ajuda outras mães. Foto: Arquivo Pessoal
Última modificação em 20 de maio de 2025 às 10:07
O ditado diz que “nasce um bebê, nasce uma mãe”, mas em alguns casos, essas mães já existiam e estavam ansiosas, apenas esperando o momento de exercer sua maior função: maternar. Esse é o caso da psicóloga Alizane Ramalho, mãe da Cíntia de 10 anos, do João de 8 anos e do Benjamin de 6 anos, uma escadinha, como ela mesma se refere.
Cada gravidez foi planejada, Liza, com é mais conhecida, é casada há 12 anos e programou as gestações para que as idades não ficassem muito distantes. “Terem idades próximas permite a eles e a mim o atravessamento de cada fase existencial de forma conjunta, manejando cada conflito e desafio de forma coletiva, pois os interesses são similares”, explica a psicóloga.
O desejo de ser mãe sempre existiu, mas Liza defende uma maternidade consciente, por isso, só se permitiu engravidar quando tinha condições para exercer essa função de forma consciente, dedicada e principalmente com recursos financeiros. “Digo isso, para afirmar que existia uma mulher ansiando pelo nascimento de cada um deles, que não sabia o que iria vir (o filho ideal), mas que estava ali disponível a receber esses serzinhos com toda a força, subjetividade e desafios que trouxesse”, relembra ela.
Enquanto esperava, Liza se preparou bastante, mas não existem livros capazes de descrever o amor que uma mãe sente por cada filho. Por isso, ao receber cada filho, ela entendeu que além dos estudos precisava estar aberta às experiências e ao cuidado que se aprende na prática. “Eu investi e invisto minha atenção, meu olhar, minha escuta e interesse. Me sinto realizada na forma que crio os meus filhos, pois eles também me criam. Todos os dias”, conta Liza, emocionada.
Surpresas ao longo do caminho
Mas como a vida é cheia de surpresas, o caçula começou a demonstrar comportamentos que acenderam um alerta para a mamãe. Por causa da vivência profissional na psicologia, Liza conseguiu rapidamente identificar algumas divergências nos marcos de desenvolvimento de Benjamin. “Tudo nele excedia: falou cedo, engatinhou cedo, andou cedo. Fazia tudo de forma muito precoce e acelerada, o que levou ao diagnóstico dele com 18 meses”, aponta.

Algum tempo depois, as desconfianças também começaram a surgir com João, que só foram investigadas quando ele entrou na escola e os comportamentos ficaram mais evidentes. “Aos cinco anos ele começou a apresentar perdas de habilidades sociais já adquiridas, comportamentos estereotipados, ideias obsessivas e dificuldade no sono. Aos seis anos ele foi laudado com autismo e TDAH”, explica Liza complementando que, após dois diagnósticos, começou a observar também o comportamento da filha mais velha.
Muitas mães se sentem perdidas com a chegada do diagnóstico, para Liza a sensação foi diferente. “ Com relação a Ben eu já esperava o diagnóstico, então o primeiro momento foi é isso, seguimos. Com João, foi mais difícil por conta da culpa de não ter enxergado os sinais como enxerguei em Benjamin, mas consegui elaborar meus sentimentos em relação a isso e compreender que o TDAH mascara os sintomas de autismo”, explica.
Sem romantizar a maternidade
Mesmo amando os filhos, Liza não romantiza a maternidade. O desafio de ser mãe de três crianças já é grande e só fica maior por causa do autismo. Mas longe de ser algo impossível de manejar, Liza conta que para lidar com essas dificuldades, é necessário planejamento e conhecimento. “Nossa família funciona dentro de uma rotina diária, com horários para as atividades de vida diária bem estabelecidos e negociações dentro desta rotina. Tudo exige previsibilidade e muita negociação”, explica.

Entender como lidar com o autismo no dia-a-dia foi um dos desafios para Liza. O diagnóstico apenas acrescentou as transformações que a maternidade havia começado. “Eu, a adulta rígida, tive que aprender a ser flexível, quem lida com autistas sabe: quanto mais rígida a criança, mais flexível precisam ser os adultos cuidadores”, conta ela.
Para fazer dar certo, Liza realizou uma série de transformações na vida pessoal e profissional. “Diminuí os círculos de amizades, a carga laboral e outras questões. Comecei a dar suporte para outras mães e hoje me vejo dentro da comunidade autista, com muito ativismo e acolhimento, pois sou mediadora de um grupo de suporte para pais e cuidadores de autistas, ofertado pelo IFRR em parceria com a UPPA”, explica.
As dificuldades de mães atípicas em Roraima
Abrir mão de si mesmo para cuidar dos filhos não foi fácil, mas longe de ser um sacrifício, as ações são um investimento. Liza investe diariamente na criação e no futuro dos filhos. Ela também aponta alguns dos principais desafios que enfrenta com outras mães diariamente:
“Acesso ao diagnóstico, acesso a terapias, acesso a políticas públicas de renda e cuidado. Acesso à educação, pois sem cuidadores e capacitação dos profissionais da escola, não tem como fazer inclusão. O capacitismo e o preconceito são grandes desafios para as mães atípicas, pois autista não é menos capaz por precisar de suporte para viver e, o olhar dos outros de julgamento ou de pena machuca profundamente as mães.”
Mesmo com todas as dificuldades, Liza não trocaria nenhum dos momentos que passou com os filhos e, hoje em dia, ajuda as mães que estão passando por situações como ela, principalmente no início dessa jornada.

“Eu sei bem o que está passando na cabeça de vocês. O luto pela criança idealizada, as comparações e os olhares atravessados dos outros. Não, seu filho não é um problema a ser resolvido ou uma doença a ser curada. Seu filho não é mal educado, mimado ou sem limites. Não, ele não merece apanhar ou ficar sem comer para aprender qualquer coisa que seja. Ele precisa de suporte. Ele nasceu assim e merece uma sociedade menos capacitista, menos violenta e preconceituosa”.
Liza ainda complementa com uma mensagem fundamental para todas as mães atípicas, oferecendo suporte e uma mão amiga. “Eu sei que você tem feito o melhor que pode, mas são muitas portas fechadas: das terapias, dos parentes, dos amigos. Eu sei que a solidão e o isolamento dói e eu acolho cada dor, tristeza, lágrima e desejo de desaparecer. Você não está sozinha, temos colo no projeto ajuda mútua: cuidando de quem cuida, se precisar, busque ajuda”.
Em Boa Vista as mães de crianças atípicas podem começar a buscar apoio e orientação na União de Pais e Pessoas Autistas de Roraima (UPPA -RR). Basta entrar em contato pelas redes sociais no @upparoraima ou por telefone (95) 99140-8218, o contato também recebe mensagens via Whatsapp.
Por: M3 Comunicação
Tive o privilégio de conhecer Liza e Ben, pessoas lindas e queridas por mim, afirmo que Liza tem uma escuta sensacional.