
Lourdinha Pinheiro. Foto: M3 Comunicação
Última modificação em 8 de julho de 2025 às 14:57
No dia em que Boa Vista celebra seus 135 anos de fundação, a história da cidade se entrelaça com a de uma mulher cuja trajetória também simboliza resistência, construção e pioneirismo: Lourdinha Pinheiro, a primeira mulher a ocupar a presidência da Câmara Municipal da capital roraimense.
Cearense de origem, roraimense por escolha e vocação, ela ajudou a moldar a cidade com o mesmo espírito com que sempre viveu, comprometida com as pessoas e movida por causas coletivas. Nascida no município de Pereiro (CE), viu desde cedo o impacto da política no cotidiano.
A inspiração veio de casa, sua mãe foi eleita vereadora em 1958, num tempo em que as mulheres sequer eram obrigadas a votar. “Ela era muito ousada. As mulheres nem queriam votar naquela época”, relembra Lourdinha com orgulho.
A infância e adolescência em meio à militância materna foram interrompidas pela perda do avô, seu pai de criação. Lourdinha se mudou com a família para São Paulo, onde trabalhou e estudou, mantendo-se sempre próxima da política, uma vocação silenciosa que se manifestava nos bastidores. Ela frequentava encontros com lideranças e chegou a se aproximar da então primeira-dama do estado, Leonor Mendes de Barros.
Chegada a Boa Vista
Foi em 1976, aos 36 anos, que Lourdinha chegou a Boa Vista. O marido já estava por aqui desde 1972, após vencer uma concorrência para obras com o 6º Batalhão de Engenharia de Construção (BEC).
“Cheguei à noite e não tinha luz na cidade, fiquei apavorada. Minha casa tinha Petromax, minhas meninas ficaram assustadas, quis ir embora. Vim pra passar uma semana. Estou aqui até hoje”, conta.
A adaptação foi rápida. Instalada no bairro São Pedro, Lourdinha logo se tornou referência local. Era a única da rua com telefone, que emprestava a todos como um bem público. “Eu sempre gostei de conviver com as pessoas. Nunca fui solitária. Gosto de estar no meio do povo”, resume.
Foi esse espírito comunitário que chamou a atenção do então governador do território, Ottomar Pinto. Ele a convidou para trabalhar com ações sociais no Palácio do Governo. Lourdinha aceitou, mas com uma condição inusitada.
“Só trabalho como voluntária. Como funcionária, não quero. Tenho minha família e não vou deixar em segundo plano”. Assim nasceu o setor de apoio social, que hoje pode ser comparado a um CRAS — centro de referência da assistência social.
Nos anos seguintes, Lourdinha continuou atuando em projetos sociais e ganhou reconhecimento por seu comprometimento.
Uma vida inteira dedicada à política local
A entrada de Lourdinha Pinheiro na política institucional foi quase por acaso. Em 1980, foi convidada a se candidatar a vereadora apenas para completar a chapa de candidatos do partido. Sem muitas expectativas, aceitou com naturalidade, sem imaginar que daria início a uma das trajetórias mais longevas da política roraimense.
“Eu me candidatei para completar o número de candidatos do partido. Eu achava: ‘Imagina, eu nem daqui sou. Concorrendo com os filhos da terra, pessoas conhecidas, se não me eleger, não tem problema, fico do mesmo jeito’.”
Mas a resposta das urnas surpreendeu. Lourdinha foi eleita em 1982 e tomou posse em 1983, tornando-se a primeira mulher a presidir a Câmara Municipal de Boa Vista — e a primeira presidente de uma câmara de capital do Brasil.
“Graças a Deus, me elegi. E quando assumi, fui a primeira mulher presidente da Câmara de uma capital. Depois disso, fui presidente cinco vezes. Fiz sete mandatos como vereadora.”
O primeiro mandato já começou com transformações na política local. Inicialmente com duração de um ano, a presidência da Câmara passou a ter dois anos, o que lhe deu mais tempo para implementar ações e ampliar sua influência dentro e fora do Legislativo.
Ela permaneceu como vereadora por sete mandatos consecutivos, totalizando 30 anos de atuação parlamentar, um recorde que é, por si só, um capítulo importante da história política de Boa Vista.
Ao longo da carreira, Lourdinha foi convidada diversas vezes para disputar outros cargos , como deputada estadual ou federal, mas recusou todas as propostas. Suas razões foram simples, mas firmes: a família vinha em primeiro lugar.
“Se eu fosse deputada, eu tinha que ir para o interior, e eu não ia. Não deixava minha família sozinha. Para Brasília também não ia. Então optei por gosto, por prazer, por poder ajudar o município que era tão carente.”
Seu compromisso com a cidade era visceral. Participava ativamente de todos os movimentos sociais, culturais e comunitários. Esteve presente na construção de equipamentos de saúde, como a Maternidade Nossa Senhora de Nazaré, e nos primeiros postos de saúde criados na gestão do então prefeito Major Alcides. Era figura constante em eventos esportivos e estudantis, acompanhando os jogos escolares com a mesma empolgação de uma atleta.
Ao recordar o início de sua jornada política, ela pinta um retrato vívido da Boa Vista de décadas atrás: uma cidade sem transporte público, com apenas um pronto-socorro e com infraestrutura mínima. Sua atuação como vereadora se pautava por um desejo sincero de mudar essa realidade e, para muitos moradores da capital, ela conseguiu.

Uma vida dedicada à cidade
Hoje, aos 85 anos, Lourdinha continua morando na mesma casa onde se instalou na década de 70, às margens do Rio Branco. Ela viu Boa Vista crescer de uma cidade sem energia elétrica e sem pediatras para um polo urbano moderno. Ainda assim, mantém os olhos atentos às demandas sociais que a motivaram desde o início.
“O que eu mais me preocupava era com emprego. A dignidade começa pelo trabalho. A gente conseguia terreno, escola, comida, mas eu queria era ver esse povo trabalhando”, diz.
Após três décadas de mandatos consecutivos e uma vida inteira dedicada ao desenvolvimento social e político de Boa Vista, Lourdinha Pinheiro carrega consigo um sentimento que mistura realização pessoal, gratidão e um profundo amor por esta terra que a acolheu ainda na juventude.
Questionada sobre o que sente ao olhar para tudo que construiu e para a cidade que ajudou a transformar, ela responde com emoção:
“De orgulho, de alegria, de me sentir gratificada por ver o que é hoje o nosso município de Boa Vista. Hoje, eu tenho orgulho de sair e falar que eu sou de Roraima e que eu moro em Boa Vista. Pelo desenvolvimento, crescimento, por tudo de bom que tem aqui.”
O Ceará é o lugar onde nasceu, mas Boa Vista é o lugar onde fincou raízes, criou suas filhas, viu seus netos crescerem e dedicou seu tempo, sua energia e sua fé. “Boa Vista é, para mim, como se fosse a minha terra natal. Aqui nós temos família, aqui nós temos paz”, completa.
A história de Lourdinha Pinheiro é um retrato vivo de Boa Vista, uma cidade que acolhe, resiste e cresce com a força de quem acredita no coletivo.
Por: M3 Comunicação