Última modificação em 5 de março de 2025 às 09:47

Na série especial do Papo M3 Realidades para o Dia Internacional da Mulher, conversamos com a professora e pesquisadora Sony Ferseck, uma mulher indígena que transforma a educação em um espaço de valorização da cultura e das histórias dos povos originários de Roraima. Professora do Instituto Insikiran, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Sony é da etnia Macuxi e tem uma trajetória marcada pela luta por reconhecimento, visibilidade e respeito para as mulheres indígenas e suas comunidades.
Um reencontro com suas origens através da educação
A relação de Sony com a educação é muito mais do que uma carreira. Foi dentro da universidade que ela passou por um processo de redescoberta de sua própria identidade indígena. Até então, como acontece com muitas pessoas indígenas que crescem em áreas urbanas, ela não tinha muita consciência sobre sua origem.
Na faculdade, em projetos de pesquisa em comunidades e ao lado de professores que valorizavam os saberes tradicionais, Sony se reconectou com suas raízes e começou a enxergar a educação como uma ferramenta para dar voz às histórias do seu povo. Esse despertar foi tão forte que guiou toda sua formação: mestrado na UFRR e doutorado na UFF, sempre com foco nas literaturas indígenas e suas narrativas.

Insikiran: um marco na educação indígena de Roraima
Criado em 2001, o Instituto Insikiran representa uma grande conquista para os povos indígenas de Roraima. Mais do que um espaço acadêmico, o instituto nasceu da luta de lideranças indígenas que sonhavam com uma educação que respeitasse e valorizasse as culturas, línguas e modos de vida tradicionais. E Sony é uma das professoras que dá vida a esse sonho.
No Insikiran, Sony ensina muito mais do que literatura. Ela incentiva seus alunos a enxergarem suas próprias histórias e saberes como parte do patrimônio cultural de seus povos. Ao mostrar que as narrativas tradicionais podem virar livros e que a oralidade também é conhecimento, ela ajuda a construir a autoestima e o orgulho dessas novas gerações.
A força das mulheres indígenas
Uma parte fundamental do trabalho de Sony é reconhecer o papel essencial das mulheres indígenas, tanto dentro das comunidades quanto no cenário acadêmico. Ela conta que, historicamente, foram as mulheres, principalmente as avós, que garantiram que as línguas e culturas tradicionais não se perdessem. Enquanto os homens muitas vezes saíam para lutar por direitos, eram as mulheres que ficavam, cuidando das crianças, dos idosos e preservando os saberes ancestrais.
Esse olhar para a força feminina se reflete até no livro que Sony escreveu em parceria com Georgina Sarmento. Intitulado “Mulheres que Fazem Sol”, o livro reúne poemas e bordados que homenageiam essas mulheres silenciosas e resistentes, que carregam nas mãos a arte, a história e a continuidade da cultura indígena.

Os desafios de ser mulher indígena na academia
Mesmo com todos os avanços, Sony deixa claro que ser uma mulher indígena no espaço acadêmico ainda é um desafio diário. O preconceito e a invisibilização ainda existem, e a cobrança para que indígenas “provem” seu pertencimento é constante. Se veste roupas comuns, fala português fluente ou vive na cidade, muitas vezes já é considerada “não indígena” por quem tem uma visão limitada e cheia de estereótipos sobre os povos originários.
Além disso, muitas mulheres indígenas só conseguem estudar e seguir suas carreiras porque contam com uma rede de apoio, geralmente formada por outras mulheres da família, como é o caso da própria Sony, que só pôde se dedicar aos estudos porque sua mãe assumiu os cuidados da casa e dos irmãos.
Um dia para lembrar que a luta continua
Para Sony, o Dia Internacional da Mulher é uma data para celebrar conquistas, mas principalmente para lembrar que a luta por respeito, igualdade e visibilidade continua. Ela reforça que as mulheres indígenas não querem apenas ser lembradas nesse dia, elas querem estar presentes o ano inteiro, ocupando todos os espaços e sendo reconhecidas como protagonistas das suas próprias histórias.
Um recado para as futuras gerações
Sony encerra com uma mensagem que reflete sua própria caminhada:
“As mulheres indígenas precisam se sentir possíveis. Possíveis em qualquer espaço, seja na aldeia, na academia, na política ou onde elas quiserem estar. E essa possibilidade só existe quando outras mulheres ocupam esses lugares e mostram que é possível chegar lá.”
Com seu trabalho, sua pesquisa e sua voz, Sony Ferseck é uma dessas mulheres que pavimentam esse caminho, e inspiram muitas outras a seguirem seus próprios passos.
Por: Papo M3 Realidades